Com a perspectiva de quem trabalha fora do país, disse que vê o Brasil, junto a Israel, como um “líder mundial que está na vanguarda” de estudos sobre Cannabis medicinal e destacou que “os grupos de pesquisa que a gente tem no Brasil são imensos comparados com o que existe de pesquisa em outros lugares, é realmente algo de de se ter muito orgulho”.
Como são as leis americanas para o uso da Cannabis em pesquisas médicas?
Para entender as leis americanas sobre pesquisas médicas, temos que entender a lei americana sobre a Cannabis de maneira geral. Embora a Cannabis seja legalizada na ampla maioria dos estados americanos, exceto dois não tem legislação ou para uso só do CBD ou para uso medicinal do THC e do CBD. Ou seja: somente em dois estados a Cannabis é completamente proibida. Nos outros 48 estados há legalização. Embora que de maneiras diferentes: ou tem o uso recreativo e medicinal para qualquer componente da Cannabis.
Na verdade, isso é estadual, então do ponto de vista das leis americanas, se você está perguntando federal a Cannabis faz parte da classificação 1 de acordo com o DEA, como uma droga tão perigosa como a heroína e sem fins medicinais. Ainda é assim. Pode mudar daqui a dois, três meses mas assim é.
Agora vamos perguntar das leis sobre pesquisa. As leis de pesquisa americanas são todas federais porque a maior agência financiadora de pesquisas nos Estados Unidos que é o país que mais produz ciência no mundo é federal: é o National Institutes of Health, o NIH. Então com isso são leis federais, as leis estaduais tem muito pouco poder na questão de pesquisas.
E qual é a legislação: como ela é Schedule 1 do ponto de vista federal sem nenhum valor medicinal, e de alto poder de risco, a pesquisa nos Estados Unidos infelizmente é muito atrasada na parte de Cannabis medicinal. Para poder fazer pesquisa com Cannabis, que seja para explorar as partes medicinais, o pesquisador precisa conseguir um licença do departamento, para conseguir obter a Cannabis.
A primeira coisa é saber que pode demorar três, quatro, cinco anos para um pesquisador que quer fazer pesquisa na área de Cannabis conseguir o direito de obter Cannabis para poder trabalhar. Passo dois: quem é que vai fornecer essa Cannabis? Até então, me mandaram uma notícia que as coisas estão mudando e vou comentar. Mas nos últimos quarenta, sessenta anos a situação é que se você depois de muita papelada conseguisse finalmente o direito de obter Cannabis para fins de pesquisa, você tinha somente um lugar que fornecia a Cannabis que eram aprovadas.
Portanto você podia usar o dinheiro para fazer sua pesquisa, senão você não tinha como fazer pesquisa. Esse lugar é a universidade de Mississipi que na verdade tem uma fazenda autorizada, uma fazenda autorizada por NIH para vender e fornecer Cannabis para fins de estudo, somente para fins de estudo. Essa situação de somente a Universidade de Mississipi fornecer material era muito limitado e ficou cada vez mais limitado.
Pois a fazenda produzia uma Cannabis que na verdade não era a que existia no mercado tanto para uso não medicinal como medicinal. Então é como se as pessoas tivessem fazendo pesquisa em algo que na verdade ninguém consome. Como é uma planta, obviamente ela muda muito, tem vários perfis e particularmente a concentração de THC começou a aumentar muito no mundo real e continuava o mesmo na Universidade de Mississipi.
A qualidade da planta era muito pouco evoluída comparado com o que se tinha no mercado. Então está começando a acontecer por pressão do NIH que quer mais pesquisa medicinal e o DA sendo mais flexível, foi a possibilidade de outras empresas se candidatarem, e é extremamente burocrático, para poderem produzir Cannabis para fins de pesquisa também que possa ter verba federal.
Isso está acontecendo e o que foi apontado pelo artigo mandado no e-mail é uma primeira empresa conseguindo finalmente pular todos os trâmites, né? Tem que passar por todos os trâmites burocráticos para acontecer. Por que não tem um monte de empresa fazendo isso? Porque é muito complicado. O retorno do investimento é pequeno porque é tudo muito burocrático e arcaico.
Recentemente a Groff North America, sediada no condado de York, afirmou que se tornou a primeira empresa nos EUA a conquistar uma licença de cultivar legalmente Cannabis para pesquisas médicas. Qual o impacto para o mercado americano sobre esta autorização?
Não é a primeira. A que sempre plantou foi a Universidade de Mississipi e agora essa nova empresa vai tentar se aventurar e ver se consegue ter lucro e se sustentar com esse modelo. Não sei ainda qual impacto, isso é bastante recente.
Vamos pensar aqui do ponto de vista do pesquisador: ele teria que estar absolutamente fascinado por estudar alguma coisa de Cannabis já que pode demorar dois, três, quatro, cinco anos para ele ter licença pra conseguir comprar dessa empresa porque as lei não mudaram, o que mudou foi a abertura para outras empresas concorrerem com a universidade de Mississipi. Para mim não fica claro ainda qual vai ser o impacto.
É um grande progresso, é um progresso na direção certa, mas ainda é difícil a gente saber como serão as implicações no mercado mesmo. Por exemplo, eu trabalho na universidade de Washington, são vários pesquisadores da área de Cannabis lá. Por que a universidade de Washington não se candidata assim como a universidade de Mississipi fez há sessenta anos atrás? Produzir canabinoides e ter uma fazenda para poder plantar para fins de pesquisa?
Porque é um investimento altíssimo, altíssimo. Só sendo uma droga federalmente proibida, só o que você teria de segurança ou você teria que fazer plantação indoors para poder fornecer. E pedir isso a uma universidade, por exemplo, que seria os mais interessados a se lançar nessa área e várias universidades já tentaram ter aprovação dos reitores e não conseguem.
Quantas e quais são as principais pesquisas com Cannabis para fins medicinais que ocorrem nos EUA.
Para esta entrevista eu fui ao principal repositório de pesquisas nos Estados Unidos, que se chama Clinical Trials, tem pesquisas de todo mundo registradas lá e coloquei a palavra Cannabis. Peguei pesquisas atuais recrutando para estudos, agora recrutando pessoas para fazer o estudo nesse momento. Então consegui detectar cento e noventa estudos nos Estados Unidos. Dos cem primeiros estudos quando a gente vai olhando um por um sobre Cannabis somente onze são para fins medicinais.
Primeira coisa importante da gente ter em mente: os Estados Unidos gasta pesquisa sobretudo para pesquisar os malefícios da Cannabis. Justamente por esse modelo retrógrado e moralista de que a Cannabis não tem benefício nenhum do ponto de vista federal.
E a pesquisa é financiada do ponto de vista federal: com o dinheiro federal. Muitíssimo diferente nos estados, mas que não conseguem financiar a pesquisa porque as pesquisas são caras. Destas cento e noventa pesquisas que eu localizei, olhei individualmente as cem primeiras. Então das cem primeiras que eu olhei, somente onze eram para fins medicinais pesquisando desde dor, estresse pós-traumáticos, insônia ou distúrbio de sono, estresse, dor neuropática, anti-inflamação, enxaqueca, nessas áreas mais ou menos e que estão agora nesse momento recrutando.
São as cem primeiras que olhei, mas o que que são as outras? São financiados pelo National Instituto of Health, mais particularmente pelo National Institute on Drug Abuse, o Instituto Nacional de Abuso de Drogas e é daí que vem o grande financiamento para pesquisa em Cannabis nos Estados Unidos.
E como o nome diz é para estudar abuso de drogas, ou seja, estudar riscos e malefícios. E que obviamente há riscos no uso da Cannabis e aí se a gente vai olhar então principalmente efeitos cognitivos ou dificuldade de manter o controle de poder por exemplo dirigir, ou a Síndrome de hiperêmese por canabinoides, que é isso de provocar vômito cíclico e sem interrupção que está bastante importante nos Estados Unidos agora com avanço do uso de Cannabis. Então são estudos como abuso na adolescência e impacto na cognição. E em sua ampla maioria é sobre essas questões.
Quais seriam os países que mais investem em pesquisas em Cannabis, vantagens e benefícios?
Se a gente for pegar em valor total financeiro possivelmente é os Estados Unidos, eles quase não investem, mas como é um país muito rico que financia muita pesquisa, talvez esses onze estudos que citei já ultrapasse o que se tem investido em outros países. Não saberia responder essa questão.
Diria que em dinheiro sem dúvida, em valor total em dólares, acho que é possível ser o Estados Unidos. Em termos de várias pesquisas diferentes, de se ter coragem de fazer pesquisas mais avançadas não deve ser nos Estados Unidos.
Sempre foi muito afirmado e acho que é correto dizer que Israel e Brasil são pioneiros nessa área e continuam sendo. São esses países que acordaram o mundo para a importância da Cannabis e continuam sendo vanguarda. É só ver os grupos superimportantes no Brasil de pesquisas em saúde e Cannabis para a gente ver a importância do Brasil nesse cenário.
Tendência do mercado americano no uso da cannabis para fins medicinais.
É um mercado que está avançando. Mas não avançando baseado em mesmos processos de medicamentos como são os medicamentos aprovados pelo FDA, pelo FDA americano. É muito mais trabalhando nas brechas de uma legislação federal retrógrada que os estados vêm avançando. As leis de estados variam muito, portanto o controle de qualidade e a estabilidade e precisão de dose de Cannabis usadas para fins medicinais variam demais. Tornando para o consumidor um certo perigo. Mas a tendência do mercado é se expandir e está se expandindo muito rápido.
E não sou uma mulher de negócios, mas tem um uma perspectiva muito promissora. Eu diria que vale a pena também levar em conta como é no caso do meu estado. Novamente o estado de Washington. Cada estado é um estado, é um mundo, é quase um país em si. E acaba havendo uma fusão do uso medicinal e não medicinal do ponto de vista do mercado, de modo que o investimento é sempre feito nos dois.
Entre o medicinal no sentido de medicamento tradicional que tem que ser aprovado FDA o que é muito importante para controle de qualidade para ser baseado em evidências, e o uso para alteração da consciência que é o chamado recreativo, tem um monte de coisas no meio que é o uso para o bem-estar, para promoção de saúde, que é o que se chama well-being.
Tem o uso de well-being que é feito de maneira bem mais informal, não necessariamente com todos os requisitos do mercado médico. É como as pessoas vão usar, uma série de outros produtos de vitamina a remédios para insônia, e tratamentos alternativos e complementares que a Cannabis está inserida nesse mercado. Não porque talvez não queira se inserir no mercado oficial, a luta como vocês devem pra conseguir reconhecer o uso do CBD puro o Epidiolex pela GW farmacêutica, ela tem um outro nome nos Estados Unidos, foi insano.
Finalmente agora nos Estados Unidos se conseguiu a aprovação dessa primeira substância baseada em Cannabis diretamente. Mas o preço é proibitivo. Absolutamente proibitivo e dificilmente recomendado pelos médicos. Então continua o uso informal de canabidiol do CBD no mercado milionário com muitas perspectivas, mas que não é federalmente regulamentado. Ele é um mercado de estado para estado. Vai mudar? Vai. Vai mudar, vai mudar rápido talvez em um, dois anos vai ser outro quadro mas agora é essa a realidade.
O Brasil está atrasado? O que e o quanto perdemos em não ter a plantação da Cannabis no Brasil para fins medicinais?
Acho que se a gente comparar o Brasil com o resto do mundo: não, ele não está atrasado não. Agora se a gente comparar as leis brasileiras com que o povo quer e merece, com o que os pacientes precisam: sim. O Brasil está bastante atrasado.
Entendendo como o corpo legislativo não vem honrando as necessidades dos muitos brasileiros que precisam depender da Cannabis para poder controlar sintomas ou tratar doenças. E isso tem sido uma grande perda para todos nós. As leis devem servir aos cidadãos e não impedi-los de serem mais saudáveis. Então acho que é algo que a gente vem observando que não é o único do Brasil, mas que é o caso. A segunda pergunta é o que e quanto perdemos e não ter a plantação da Cannabis no Brasil para fins medicinais.
Na verdade os Estados Unidos também não tem, né? Os estados conseguiram enfrentar o Poder Federal para plantar. Acredito que a perda aqui é muito, é muito grande sim. Mas não tenho informações muito profundas para poder comentar isso novamente pela minha falta de familiarização com a realidade do Brasil. Para concluir, queria comentar novamente assim a importância do Brasil continuar lutando pelos direitos dos seus cidadãos, de terem acesso a uma medicação importante.
Por outro lado o reconhecimento de que o Brasil é um líder mundial em ter acordado o resto do globo para a importância da Cannabis juntamente com Israel. E que os grupos imensos de pesquisa que a gente tem aqui, imensos comparado com o que existe de pesquisa em outros lugares, é realmente algo de de se ter muito orgulho.
Acho que às vezes é difícil pra alguém que enfim, tá no Brasil, de ter orgulho da nossa situação porque é preciso ver de fora pra ver também muito de hipocrisia e de coisas complicadas que acontecem. Outra coisa que eu gostaria de comentar é que a questão da legalização federal só há realmente no Uruguai e no Canadá, né? E nos outros países, inclusive na Holanda não existe, né?
A aprovação legal é uma colcha de retalhos com muitas limitações e o Brasil é um mais desses países que enfrenta isso. Eu acho que está acontecendo uma mudança, eu acredito que essa entrevista mesmo em um ano talvez seja completamente diferente. Mas eu agradeço muito a oportunidade de poder compartilhar minhas ideias com vocês.
Somos nós do Portal Cannabis & Saúde que agradecemos a disponibilidade da Dra. Beatriz Carlini em compartilhar este importante e contemporâneo olhar em relação a Cannabis medicinal com nossos leitores.