A Cannabis medicinal interage com peculiaridade no organismo feminino, principalmente, porque as mulheres possuem receptores que não são encontrados no corpo dos homens. “Nós somos seres especiais. Temos o sistema endocanabinóide presente em todos os órgãos, células e tecidos. E ele é um pivô central na capacidade de resposta ao estresse. O que é muito importante no mundo moderno para manter a qualidade de vida que nós mulheres merecemos”, explicou a Dra. Janaina Barboza em sua masterclass “Saúde da mulher: otimizando o organismo feminino e o sistema endocanabinoide”.
Com o desenvolvimento de novas pesquisas sobre a Cannabis medicinal, diariamente temos muitos avanços neste entendimento de como a planta interage de forma diferenciada no organismo feminino, seus benefícios e outras questões importantes sobre o tema.
Como a Cannabis age no organismo feminino?
Em novembro de 2021, na participação no Medical Cannabis Summit, a ginecologista e obstetra norte-americana Dra Genester Wilson-King destacou como a segunda maior quantidade de receptores CB1 e CB2, receptores canabinoides, estão no sistema reprodutor feminino.
Por isso, o uso de canabinoides interfere em uma maior regulação de questões hormonais e reprodutivas femininas e, portanto, pode ser um importante aliado para minimizar questões que interferem na saúde da mulher, seja de forma direta ou indireta.
Os benefícios em cada fase do ciclo hormonal feminino
Um dos pontos que diferenciam mulheres e homens no que diz respeito ao uso da Cannabis Medicinal é a interação do sistema endocanabinoide com os hormônios femininos. E, portanto, para entender melhor sobre as vantagens, é importante que separemos as interações de acordo com as fases do ciclo hormonal feminino.
Os hormônios femininos começam a ser produzidos na puberdade e seguem durante toda a vida reprodutiva, tendo alterações no período de menopausa. Por isso, decidimos separar os benefícios dos canabinoides fase a fase.
Confira a seguir:
Puberdade
Segundo pesquisa de revisão sistemática publicada na Adolescent Health Medicine and Therapeutics, publicado em 2018, ainda temos uma lacuna de pesquisas que apontem maiores evidências no uso de Cannabis Medicinal na puberdade, por isso, não podemos trazer muitas questões sobre a saúde feminina no uso dos canabinoides nesta fase.
Fase reprodutiva
Na fase reprodutiva temos o ciclo menstrual, no qual temos a secreção de quatro hormônios importantes: FSH, LH, progesterona e estrogênio. Os quatro interagem de forma significativa com o organismo feminino pelo ciclo menstrual.
Como o sistema endocanabinoide está presente nos órgãos reprodutivos femininos, há sim evidências científicas de que ele interfere nessas questões. Segundo estudos, mulheres que utilizaram Cannabis quando pretendiam engravidar mostraram fases foliculares (nas quais há maiores chances de fecundação) mais longas (3,5 dias a mais) do que aquelas que não utilizavam as substâncias derivadas regularmente.
Outro ponto importante é, também, a amenização das dores causadas pelo período menstrual. Afinal, muitas vezes, as cólicas podem tornar as rotinas da mulher incapacitantes. Segundo uma pesquisa realizada pela Dra. Staci Gruber, da Harvard Medical School, com o uso de supositório de CBD por vários meses na região vaginal, é possível ter redução das dores menstruais.
Também encontramos evidências científicas no alívio dos sintomas da síndrome pré-menstrual (conhecida popularmente como TPM) e no Transtorno Disfórico Pré-Menstrual (TDPM). Contudo, neste caso, as pesquisas ainda estão em período inicial e devemos ter publicações com evidências mais robustas em breve.
Menopausa e pós-menopausa
Com a proximidade da menopausa, as mulheres também encontram redução da fertilidade. E, neste momento, muitas delas podem querer aproveitar a oportunidade para terem filhos, caso ainda não tenham tido ao longo da vida. Segundo pesquisa de Lammert et al., mulheres que utilizavam Cannabis Medicinal encontraram fases lúteas (ou seja, com menor propensão à gravidez) 5,4 dias menores do que aquelas que não utilizavam canabinoides.
Mas mesmo para aquelas que não desejam engravidar mais, a Cannabis Medicinal pode trazer benefícios significativos, principalmente, para aliviar os sintomas da menopausa. Afinal, com o fim do ciclo reprodutivo feminino, temos mudanças hormonais importantes (como a redução na produção de progesterona) que impactam a saúde feminina.
Com isso, alguns sintomas que comprometem o bem-estar da mulher podem surgir, entre eles:
- fogacho (ondas de calor);
- oscilações de humor;
- insônia;
- alterações do sono;
- ressecamento vaginal;
- diminuição da libido;
- suores noturnos;
- dores articulares e musculares;
- inchaço, entre outros.
Muitos dos sintomas que são encontrados neste período podem ser amenizados com o uso da Cannabis Medicinal, podendo ser uma terapia adjuvante junto com reposição hormonal, medicações naturais e antidepressivos.
Um estudo de 2020 aponta que aproximadamente 27% das pacientes na menopausa que utilizaram Cannabis Medicinal tiveram redução dos sintomas da menopausa. Isso porque os canabinoides auxiliam na regulação de sistemas que estão intimamente ligados com muitos dos sintomas trazidos pela chegada da menopausa, entre eles:
- regulação do sono;
- regulação do humor;
- diminuição das chances de desenvolvimento de depressão, entre outros.
Benefícios no tratamento de doenças femininas
Mas afinal, de que forma a Cannabis Medicinal pode, também, estar relacionada com o tratamento de questões de saúde predominantemente ou, ainda, exclusivamente do organismo feminino? Separamos alguns dos benefícios encontrados em pesquisas clínicas sobre o tema e que ajudarão você a entender de que forma os canabinoides podem ser aliados nas terapias para determinadas patologias.
Endometriose
A endometriose é uma questão de saúde feminina com alta prevalência: está presente em cerca de 5% a 15% das mulheres em idade reprodutiva (aproximadamente 180 milhões de mulheres em todo o mundo) e pode trazer complicações de qualidade de vida desde a primeira até a última menstruação. Além disso, os seus sintomas podem ser altamente dolorosos, especialmente, nos casos de endometriose infiltrativa (ou seja, quando afeta outros órgãos da região abdominal da mulher).
A endometriose é a inflamação do endométrio, camada mais interna do útero. Este tecido é responsável pela fixação do embrião para começar a gestação e, também, é sua escamação que gera o início da menstruação (e, por isso, para mulheres com endometriose, esse pode ser um período muito doloroso no ciclo menstrual).
Estudos apontam que o sistema endocanabinoide, por estar associado com o controle dos hormônios sexuais femininos, quando desequilibrado, pode justamente fazer com que ocorra o início de um estado inflamatório no organismo, gerando a endometriose.
Além disso, alguns canabinoides, como o CBD, possuem ação analgésica e anti-inflamatória, que auxiliam a evitar essa proliferação celular causada pelo processo inflamatório. Inclusive, lembra-se que falamos da fala da Dra. Genester Wilson-King sobre o assunto? Ela lembra, também, que pesquisas apontam que mulheres com endometriose possuem baixos receptores CB1 em seu tecido endometrial, o que poderia ser uma explicação para o quadro e de que forma o estímulo gerado por canabinoides como THC, faria a inflamação desacelerar. Aqui nesta live com o Dr. Mario Luiz Grieco você também encontra tudo sobre como a Cannabis medicinal é uma aliada no tratamento da endometriose.
Outras pesquisas importantes apontam também:
- segundo cientistas do Joseph’s Hospital and Medical Center, 67,5% das participantes relataram que o uso da Cannabis Medicinal ajudou no tratamento contra a endometriose;
- segundo estudo publicado no Journal of Obstetrics and Gynaecology do Canadá relatou eficácia autorrelatada nos sintomas da endometriose em 76% das pacientes participantes.
Câncer
Alguns tipos de cânceres possuem maiores chances de ocorrerem em mulheres. É o caso do câncer de mama, que possui maior prevalência no gênero feminino. Temos, também, outros tipos que são exclusivos: justamente porque afetam órgãos reprodutivos femininos (câncer do endométrio, colo de útero, ovários, útero).
Em primeiro lugar, o uso de canabinoides para o tratamento de câncer tem se mostrado com um grande potencial positivo. Isso porque há evidências de que muitos tumores que afetam o organismo feminino possuem superexpressão de receptores CB1 e CB2. Com o uso, portanto, de agonistas canabinoides, seria possível gerar um processo de apoptose celular.
A apoptose é um fenômeno presente em todas as células do corpo humano, que também é conhecido como “morte programada”. Ou seja, em dado momento ela deixa de existir. Contudo, na formação de tumores, a multiplicação ocorre de forma desordenada e esse processo, natural, fica comprometido, podendo falhar. A partir da hiperestimulação causada por agonistas canabinoides, seria possível induzir esse processo em células com essa superexpressão de CB1 e CB2.
Assim, é uma possibilidade de tratamento interessante, principalmente, para tumores que não tenham terapias-alvo específicas. Por exemplo, ao falarmos do câncer de mama triplo negativo, estamos nos reportando a um tipo que não possui receptores hormonais (ou seja, não é hormoniodependente para progesterona e estrogênio), nem receptores HER-2, de forma que os tratamentos convencionais limitam-se à quimioterapia, radioterapia e, atualmente, também a possibilidade de imunoterapia.
Justamente por serem tumores com pouca possibilidade de terapia-alvo, tendem a ser mais agressivos no corpo. Contudo, esses mesmos cânceres também possuem uma expressão bastante elevada de receptores de CB1 e CB2. Por isso, o tratamento com canabinoides poderia ser efetivo, justamente, para minimizar a multiplicação celular e reduzir as chances de metástase ou evolução do tumor.
E não é só nas células do tumor de mama triplo negativo que isso ocorre. Podemos encontrar esse mesmo tipo de fenômeno no câncer de endométrio, ovários, sistema urinário, reto, entre outros.
Outra ação também está ligada com a inativação da expressão do gene ID-1, encontrada em pesquisa publicada em 2007, pelo Dr. Sean McAllister e revisada em 2012, que continua confirmando essa tendência. O CBD atuaria desativando a expressão desse gene, que está ligado com o surgimento de tumores malignos no organismo quando está ativo.
Na revisão também tivemos a conclusão de que a ação dos canabinoides não prejudicam os tecidos adjacentes, algo que é, inclusive, um dos complicadores das terapias tradicionais, justamente porque afeta tecidos saudáveis. Esse componente, por exemplo, faz com que as mulheres percam cabelo nos tratamentos quimioterápicos (que afetam células de reprodução acelerada), afetando a sua autoestima.
Mas para além da ação direta sobre as células cancerígenas, os canabinoides são grandes aliados do tratamento oncológico, principalmente, por trazerem alívios para os efeitos colaterais das terapias tradicionais, especialmente a quimioterapia e radioterapia.
Fibromialgia
A fibromialgia é caracterizada como uma patologia que causa dores crônicas severas e que podem interferir consideravelmente na saúde e bem-estar dos pacientes. Estima-se, segundo a OMS, que ela afete 4% da população mundial – e, daí, o dado mais significativo: 90% dos pacientes diagnosticados com o quadro são mulheres.
Não temos ainda explicações claras sobre as causas da fibromialgia ou, ainda por quais razões elas se manifestam de forma mais intensa no corpo feminino. Mas sabemos que os seus sintomas podem causar problemas sérios para a rotina das pacientes. Afinal, estamos falando de uma síndrome dolorosa difusa, ou seja, ela sente dores em diversas partes do corpo e não há uma causa inicial que leve a isso.
Sabemos que alguns antidepressivos e medicações opioides possuem uma boa resposta para a fibromialgia. E, também, pesquisas recentes evidenciam como a Cannabis Medicinal pode ajudar no tratamento do quadro. Isso porque as medicações tradicionais possuem muitos efeitos colaterais e, também, o organismo adapta-se relativamente rápido, precisando aumentar as doses rapidamente, o que pode ser um problema, principalmente, quando são utilizadas medicações com alta possibilidade de dependência (como os opioides e ansiolíticos).
Segundo uma pesquisa israelense, 50% das pessoas que participaram relataram redução das dores e melhora da qualidade de vida após um ano de uso de medicações a base de canabinoides, a ponto de poderem não utilizar mais as medicações convencionais. Já quem manteve as medicações alopáticas, 46% sentiram-se confortáveis para redução de dose ao final de um ano. Além disso, pesquisas apontam que o uso de CBD reduz a necessidade de tratamentos com opioides em até 70% dos pacientes com fibromialgia.
E se você quer conhecer relatos de outras pacientes mulheres que fizeram o tratamento para fibromialgia com Cannabis Medicinal, conheça a história de Maria Letícia de Barros e Juliana Codespoti, que nos falaram sobre suas experiências.
Benefícios na saúde mental da mulher
Além de todos os pontos diretamente relacionados com o organismo da mulher, temos também outras questões que precisamos considerar ao falarmos sobre saúde feminina. Afinal, somos seres biopsicossociais e tudo que trouxemos até aqui está relacionado com a parte biológica.
Mas também temos interferências importantes das partes psicológicas e sociais, que impactam consideravelmente um ponto importante: a saúde mental da mulher. Para que você tenha dimensão deste impacto, alguns dados que temos são:
- segundo estudo realizado pela Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos, mulheres têm duas vezes mais chances de desenvolver depressão do que homens;
- segundo pesquisas realizadas com população dos Estados Unidos, mulheres possuem chances maiores de desenvolvimento de Transtorno de Ansiedade Generalizada (TAG), transtorno de pânico, ou Transtornos de Estresse Pós-Traumático (TEPT);
- segundo relatório realizado pela consultoria McKinsey & Company em empresas nos Estados Unidos e Canadá, mulheres sofrem mais com síndrome de burnout do que homens.
Todas essas questões acentuam-se ainda mais com a pandemia e, consequentemente, com o isolamento social, no qual elas passaram a ter dupla jornada simultânea, com os cuidados domésticos e profissionais. Muito disso ocorre, justamente, por uma estrutura ainda muito machista na qual elas, mesmo em um contexto de emergência como a pandemia. Com isso, elas estão muito mais submetidas a condições de deterioração da saúde mental e, portanto, precisam de maiores cuidados.
Estudos apontam que a Cannabis Medicinal diminui os sintomas do quadro de depressão, também, porque é capaz de auxiliar na produção de serotonina (hormônio da felicidade, que auxilia na regulação do ritmo cardíaco, sono, apetite, humor, memória, entre outros).
A milenar história da Cannabis medicinal e o organismo feminino
Não é novidade que a Cannabis seja utilizada de forma positiva para o tratamento de saúde feminina. Temos evidências do uso dela em 2737 a.C., quando um dos grandes nomes da Medicina Chinesa, o Imperador Shen Neng, prescreveu o chá da planta para tratamentos de gota, reumatismo, malária e distúrbios femininos. Temos, ainda, mais de 100 artigos escritos entre os anos 1840 e 1900 que falam sobre as propriedades medicinais, publicadas em revistas médicas, falando sobre as propriedades terapêuticas da Cannabis para alívio de sintomas de quadros de saúde característicos das mulheres.
Como realizar os tratamentos de saúde com Cannabis Medicinal?
Atualmente no Brasil, para começar um tratamento com Cannabis, é preciso ter prescrição médica especial para este fim. Aqui no nosso portal você poderá encontrar médicos e médicas que são mais indicados para seu quadro e diretamente já pode agendar sua consulta.