Um estudo recente publicado na revista Psychopharmacology sugere que os usuários de produtos canabinóides sintéticos, como Spice ou K2, experimentam sintomas de abstinência mais graves do que os usuários de Cannabis, de acordo com uma pesquisa publicada nesta semana no International Business Times. É o primeiro estudo focado nos efeitos de longo prazo e na retirada do uso de canabinóides sintéticos.
Importante salientar que estes sintéticos analisados são muitas vezes ilegais e voltados ao consumo adulto. Ao final deste conteúdo, falaremos sobre canabinoides sintéticos desenvolvidos por farmacêuticas para fins medicinais.
Voltando ao K2/Spice, os pesquisadores descobriram que os efeitos da interrupção do uso desses sintéticos aparecem mais rapidamente do que os da Cannabis natural, com consumidores relatando sintomas mais graves de insônia, irritação e mau humor, palpitações cardíacas e perda de apetite.
“Maconha sintética”
Na sua essência, maconha sintética é uma mistura de produtos químicos industriais com moléculas sintéticas de THC pulverizados sobre qualquer erva seca, envolto em brilhantes e chamativos pacotes coloridos. São vendidos sob uma variedade de nomes como K2, High Legal, Black Mamba, Cannabis Blends e Spice (as mais conhecidas), embora centenas de outras marcas possam ser encontradas.
É projetada para se parecer com maconha, mesmo não possuindo aroma e a aparência natural. Como os produtos químicos usados no Spice têm um alto potencial de abuso e nenhum benefício médico, a agência antidrogas dos EUA (Drug Enforcement Administration) tornou muitos dos produtos químicos ativos encontrados no Spice ilegais. No entanto, as pessoas que fabricam esses produtos tentam evitar essas leis usando diferentes produtos químicos em suas misturas. Na prática, segundo o NIDA, não são de fato canabinoides sintéticos, como os desenvolvidos pela indústria farmacêutica.
Esses produtos inclusive costumam ser rotulados como “não se destina ao consumo humano” e disfarçados de incenso para burlar a lei. A maioria das pessoas fuma Spice na forma de baseado. Algumas pessoas também o fazem como um chá de ervas para beber. Outros compram produtos Spice como líquidos para usar em cigarros eletrônicos.
Sam Craft, o principal autor do estudo publicado na revista Psychopharmacology e um candidato ao doutorado financiado pelo Conselho de Pesquisa Médica, disse que os dados demonstram “que o Spice é uma substância significativamente mais perigosa e aqueles que procuram parar provavelmente enfrentam uma série de sintomas graves de abstinência”.
“É fundamental, então, que maiores esforços sejam feitos para garantir que o Spice não seja tomado no lugar da Cannabis ou qualquer outra substância e que os indivíduos que sofrem de dificuldades com o Spice recebam tratamento.”, disse Craft ao International Business Times.
O estudo, conduzido por psicólogos do centro de estudos de vício e saúde mental da University of Bath, incluiu 284 participantes da Pesquisa Global de Drogas que haviam anteriormente tentado se abster de Spice.
Um estudo anterior realizado por pesquisadores da Universidade de Birmingham afirmou que o Spice pode causar uma variedade de problemas de saúde, incluindo convulsões, comportamentos anormais, intoxicação, problemas cardíacos e renais e morte.
Canabinoides sintéticos para fins medicinais
Apesar de serem desenvolvidos com grau de segurança farmacêutica, os canabinoides sintéticos para fins medicinais também são controversos.
Segundo o neurocientista Dr. Fabrício Pamplona, farmacologista especializado em canabinoides, no campo dos medicamentos sintéticos existem os análogos e as moléculas sintéticas. O pesquisador salienta, no entanto, que apesar de se produzirem moléculas exatamente idênticas, na prática são produtos diferentes.
“São diversos desafios no quesito de separação, de purificação e garantia de qualidade. E as impurezas do fitofármaco certamente serão diferentes do mesmo fármaco, obtido de maneira sintética. Isso é o que está naquele 1% quando a gente fala de 99% de pureza”.
“Existem outras moléculas que são análogas, mas não tem a mesma estrutura química. No caso do THC, por exemplo, tem algumas moléculas bem conhecidas que são agonistas canabinoides, ativam os receptores canabinoides, mas não são idênticas ao THC, portanto podem ter outros efeitos além da ativação dos receptores”.
Por isso, conclui Pamplona, o perfil farmacológico é diferente e, “portanto, os efeitos tanto terapêuticos como adversos podem ser diferentes também”.
“É o que a gente chama de off target, efeitos não previstos em alvos até mesmo desconhecidos. É o caso do CBD fluoretado sintético, que tem patente com participação dos pesquisadores da USP. Nada garante que fluoretar um canabidiol torne ele mais potente que o mesmo alvo em que o canabidiol já age. Você pode mudar bastante o perfil farmacológico da molécula”, alerta o cientista.
De acordo com a Dra. Jackeline, a vantagem do sintético é a facilidade em termos de controle de qualidade, já que se trabalha com uma só molécula.
“Já a desvantagem está na ausência do efeito sinérgico dos diversos componentes do fitocomplexo, originalmente encontrados na planta medicinal. Esta sinergia do fitocomplexo tem implicações geralmente positivas, tanto em relação aos efeitos terapêuticos quanto em termos de tolerabilidade e segurança”.