Especializada em medicina de família, geriatria e cuidados paliativos, a médica Letícia Mayer encontrou na Cannabis benefícios que nenhuma combinação de remédios oferece
A Cannabis medicinal chegou quase como uma consequência natural da trajetória da médica Letícia Mayer. “Desde minha formação eu senti falta de informação para oferecer um tratamento mais humanizado. Na faculdade, o foco é centrado na doença. Quando saí e comecei a trabalhar, vi que eu acreditava em uma medicina centrada na pessoa.”
Encontrou na especialização em medicina da família uma forma de seguir sua vocação. “ É uma das áreas mais humanizadas da medicina, a gente não faz a medicina centrada na doença”, afirma. “A gente quer que o paciente cure das doenças que são possíveis de curar, claro. Mas o objetivo é cuidar da pessoa. Melhorar a qualidade de vida no lugar de simplesmente prolongar a vida.”
Atenção aos idosos
Atendendo os mais diversos casos, percebeu que eram os idosos que necessitavam de maior atenção. A especialização em geriatria, porém, demonstrou para ela que precisava se aprofundar ainda mais.
“A geriatria é uma especialidade que precisa cuidar da pessoa e de sua família. Pessoas frágeis, muitas vezes com doenças que não tem cura. Vendo muito isso foi o que levou a me especializar em cuidados paliativos.”
“Eu acredito que, mesmo quem não tem uma doença que pode ser curada, revertida, o paciente pode ser cuidado”, explicou. “Os cuidados paliativos tem este foco de cuidado de melhora de qualidade de vida, independente de tempo de vida.”
Um cuidado que vai além do próprio paciente. “Principalmente os cuidados paliativos na geriatria, a família sofre junto. Em doenças crônicas, como degenerativas, é importante essa abordagem centrada no cuidado. Considerar a pessoa inserida no seu meio, no seu entorno, na sua sociedade e na sua família.”
Cannabis medicinal
“Junto dessa perspectiva entra a Cannabis medicinal”, continuou. “É um tratamento que, até onde a gente sabe, não cura doenças, mas trata muitos sintomas. Principalmente aqueles que não respondem a outros tratamentos. Muitas doenças que não tem remédio, nem para cura nem para alívio de sintomas.”
Segundo Mayer, os benefícios da Cannabis medicinal são visíveis principalmente em seus pacientes com algum tipo de demência, Parkinson e Alzheimer. “Os medicamentos específicos das demências têm resultados muito pobres. Muita gente não responde a esse tratamento e tenta utilizar alternativas, como antipsicóticos ,antidepressivos, medicamentos para dormir”, conta.
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“Todos esses têm efeitos colaterais, na maioria das vezes intoleráveis. Causam dependência, causam quedas, que é super importante da terceira idade, fora a interação entre um e outro porque na geriatria, o paciente já usou muito medicamento. A gente não tem alternativas nas demências para aliviar o sofrimento do paciente e para controlar sintomas.”
Somente a Cannabis. “Ela acaba ocupando um grande espaço pois pode diminuir os sintomas, melhorar a qualidade de vida e diminuir o sofrimento dos pacientes e suas famílias. Não existe nenhum remédio, ou combinação de remédios, que tenha conseguido esse resultado.”
No final de 2019, a médica recebia diariamente pacientes com doenças neurodegenerativas e dores crônicas em sua rotina de atendimento em um ambulatório geriátrico do Sistema Único de Saúde, em São Paulo. Até que escutou, pelo rádio, a notícia de que as regras sobre a prescrição de Cannabis medicinal iria mudar.
“Eu me sentia um pouco de mãos atadas para ajudar essas pessoas. Nesse dia a dia, de não ter recursos para ajudar, foi que achei que a Cannabis tinha espaço nesse tipo de tratamento.”
Demência e Cannabis
Focou nos estudos sobre o assunto, mas sua primeira prescrição só viria por iniciativa de uma paciente. “Uma senhora, com demência frontotemporal, um pouco mais rara do que o Alzheimer. Ela tinha uma dificuldade muito importante na linguagem e me procurou realmente porque tinha ouvido falar da Cannabis de alguma alguma forma.”
“Era uma paciente no SUS e atendo até hoje. Eu disse que eu estava estudando e que eu já tinha segurança para começar a prescrever”, prosseguiu. “Ela melhorou bastante a linguagem. Mesmo nos primeiros meses de tratamento, já se expressava melhor. Além dela ter ficado mais calma, melhorar o sono, a ansiedade. Melhorou aquele fenômeno do pôr do sol, que os pacientes com demência pioram quando entardece. Mas a linguagem foi uma coisa bem marcante.”
Tratamento de dores crônicas com Cannabis
No segundo paciente, já não restava qualquer dúvida sobre a eficácia do tratamento canabinoide. “Um jovem paciente de 34 anos que tem uma paralisia do lado esquerdo do corpo de nascença. Ele tem muitas dores crônicas por causa disso. Teve resposta muito satisfatória. A gente tá conseguindo controlar as dores dele e também a ansiedade e a depressão. Nem eram a ideia inicial do tratamento, mas que acabaram entrando como um benefício adicional”, relatou Mayer.
“Aconteceu uma particularidade bem interessante. Ele acabou ficando sem o THC uma época porque demorou um pouquinho para ele encomendar e teve uma crise intensa de dor. Recebeu o produto, melhorou novamente. Por meio de uma falha, a gente teve uma confirmação de que realmente o tratamento estava sendo super efetivo.”
A qualidade de vida do jovem se transformou. Com menos dores, aos poucos, deixou de tomar medicamentos que fazia uso crônico. Assim, conseguiu anular os efeitos colaterais, como o ganho de peso. Sem dores, com depressão e ansiedade controlados, e sem o sobrepeso, pode começar a praticar atividades físicas.
“Uma coisa foi levando a outra. Só o fato da gente reduzir medicamentos, que não é o efeito direto da Cannabis, mas uma consequência, já ajudou ele em outras áreas da sua vida”, diz. “Uma cascata de melhoras aconteceu a partir da melhora da dor, que a gente conseguiu com a Cannabis. O efeito da Cannabis pode levar a uma cascata de melhoras. Acaba tendo uma melhora da qualidade de vida naturalmente.”
Hoje, sua área de atuação já se expandiu, atendendo pacientes com as mais diversas patologias. Ansiedade, dor crônica, depressão, insônia, tremores, demências todas, enxaqueca e cuidados paliativos em câncer e doença renal crônica, também em pacientes de fora da geriatria.
Preconceitos
“Os pacientes não têm relutância nenhuma. Muito pelo contrário. São eles que nos procuram já com bastante bagagem de informação”, afirma. “Quem tem resistência são colegas, porque eu escuto essas histórias dos próprios pacientes. Os pacientes me dizem algumas coisas bem horríveis que eles ouviram de alguns médicos. Isso é bem frustrante, porque a gente sabe que o médico provavelmente não tá bem informado. Se ele estivesse, não diria aquelas coisas.”
Para ela, no entanto, essa resistência tende a ficar para trás. “Muita gente alega que não prescreve porque não existem estudos duplo-cegos randomizados comprovando esse benefício. Não teria como existir sendo que era uma substância proscrita.”
“Não é que não porque não existem estudos, que não funciona. A gente precisa estudar. Só recentemente a gente está podendo estudar. No futuro, conforme acontecerem essas pesquisas, acredito que os resultados vão ser muito positivos.”