O Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) declarou nesta terça-feira (27) a nulidade da patente do canabidiol (CBD) concedida por 20 anos à farmacêutica paranaense Prati-Donaduzzi. O presidente do órgão, Cláudio Furtado, acatou um parecer técnico que apontava falta de inventividade do produto, entre outras falhas. O caso foi revelado com exclusividade pelo portal Cannabis & Saúde em fevereiro. Para especialistas do setor, a decisão evita a criação artificial de um monopólio do cbd no Brasil.
Foram três os pedidos de nulidade à patente, feitos pelo deputado federal Paulo Teixeira (PT-SP) em conjunto com Antônio Luiz Marchioni, o falecido Padre Ticão, o laboratório botânico Herbarium e pela advogada especializada em Direito da Propriedade Intelectual, Letícia Provedel da Cunha.
Entre as falhas apontadas, estava o fato de que um estudo da USP de 1993 já apontava a diluição de CBD em óleo de milho. Esse estudo mostrava também que a faixa de concentração concedida na patente (de 20 a 250 mg/mL) já havia sido estudada em modelos para epilepsia. Já a Herbarium apresentou um estudo de 2009 que já previa o uso de aromatizantes e antioxidantes, como o BHA, outra reivindicação da Prati-Donaduzzi. Aqui você pode ler mais detalhadamente os pedidos de nulidade.
“É um entendimento deste colegiado que apenas alterar a concentração de CBD e acrescentar excipientes, como antioxidantes, adoçante, aromatizante e conservante, de modo a prover uma composição oral líquida de CBD (…) é uma modificação trivial que está dentro das habilidades ordinárias de um técnico no assunto na área de tecnologia farmacêutica. Assim, a solução proposta pela titular da patente em lide não pode ser considerada como envolvendo uma atividade inventiva na falta de uma vantagem técnica derivada de tal faixa de concentração e uso de tais excipientes frente ao estado da técnica mais próximo”, concluíram os técnicos do INPI após os pedidos de nulidade.
Para o neurocientista Fabrício Pamplona, doutor em farmacologia de canabinoides, a patente só foi derrubada graças justamente a essa mobilização da sociedade.
“Por que o argumento da falta de inventividade não foi aceito na época da concessão da patente? Essas questões técnicas não puderam mais ser negligenciadas, mas evidentemente elas só foram apreciadas porque houve mobilização da comunidade de canabinoides, pacientes, médicos, da mídia especializada, e houve inclusive iniciativa parlamentar!”
Decisão evita a criação de um monopólio artificial
O neurocientista afirma que, no dia a dia, para pacientes, médicos e até mesmo para a farmacêutica, o impacto da decisão é pequeno. Mas duas consequências são mais importantes, segundo Pamplona. A primeira é que o argumento de que o produto seria único no mercado e por isso deveria ser distribuído pelo SUS, “essa patente deixa de ser um argumento importante para a empresa”.
Por fim, conclui o cientista, a patente criava artificialmente um monopólio para a Prati-Donaduzzi no setor, já que a faixa de concentração do óleo era muito ampla.
“É um fator de segurança para o mercado como um todo, para as outras empresas existirem. A patente era uma espécie de ameaça, porque a qualquer momento, após as empresas venderem uma grande quantidade de produtos, a detentora da patente poderia acionar juridicamente essas empresas por perdas e danos. Então a Prati deixa de ter uma arma contra as demais empresas que estão nesse mercado, o que acaba nivelando de maneira mais justa a concorrência.
A Associação Brasileira da Indústria de Canabinoides comemorou a decisão. Segundo a BRCann, agora “qualquer empresa que atenda aos requisitos da Anvisa para produtos de Cannabis poderá comercializar CBD isolado diluído em óleos vegetais sem dever royalties à farmacêutica”.
“Uma grande vitória para o mercado brasileiro, e uma grande vitória para os pacientes, que terão produtos mais acessíveis graças à livre concorrência no setor. Antes mesmo de sua concessão, a patente foi duramente questionada por empresas do setor em todo o processo de análise, por não atender aos requisitos de inventividade previstos na lei de patentes. A mesma patente havia sido negada nos Estados Unidos e na Europa”.
O portal Cannabis & Saúde solicitou à assessoria de imprensa da Prati-Donaduzzi uma posição sobre a nulidade da patente. A empresa informou que está providenciando uma resposta, que deverá ser encaminhada ao longo do dia.