O que pode, o que não pode, e quais os benefícios da Cannabis medicinal no esporte de alto rendimento? Saiba tudo:
Já faz pouco mais de dois anos que a Agência Mundial Antidoping (WADA) retirou o canabidiol, o CBD, da lista de substâncias proibidas. Mas ainda existe muita dúvida e receio entre os atletas profissionais, tanto que são poucos os atletas que brigarão por medalha nos Jogos Olímpicos de Tóquio que afirmam abertamente se beneficiarem das propriedades medicinais da Cannabis.
Com auxílio do médico ortopedista Ricardo Ferreira, que atende atletas profissionais do ciclismo e do MMA, buscamos responder todas as questões que rondam o uso da Cannabis medicinal por atletas profissionais.
O que é permitido?
Dos mais de cem fitocanabinoides encontrados na planta da Cannabis, apenas o canabidiol é permitido. Todos os demais, seguem proibidos e são configurados doping caso seja detectado em concentração acima do permitido.
Ou seja, não há limites para o uso de canabidiol, mas o THC não pode ser detectado em concentração superior a 150 nanogramas por mililitro de sangue. O valor é dez vezes superior ao que era em 2013, quando houve uma mudança no código que rege as leis do doping.
Caso aconteça, o atleta pode ser suspenso por um período que vai de seis meses até um ano. Entretanto, desde 2018, com a saída do CBD da lista de substâncias proibidas, o doping pelas chamadas “drogas sociais”, que não provocam vantagem competitiva, foi abrandado.
Caso um atleta seja pego no doping por THC, sua suspensão é reduzida para apenas um mês se ele conseguir comprovar que não utilizou a substância para obter vantagem competitiva e aceitar ser submetido a um tratamento anti-drogas.
Por que o número de atletas que usam Cannabis medicinal é tão pequeno?
De acordo com o médico Ricardo Ferreira, não é só a liberação do uso de CBD que facilita a prescrição pelos médicos. A evolução do manejo farmacológico dos canabinoides também ajuda.
“É muito recente a possibilidade do uso de CBD para atletas. Até pouco tempo atrás, existia muita desconfiança por conta do risco de contaminação por outros canabinoides”, explica. “Só agora a gente tem o produto isolado na farmácia, que a gente consegue realmente acompanhar o paciente pela utilização do produto.”
Qual produto de Cannabis medicinal utilizar?
O fundamental é optar por medicamentos cuja composição seja confiável. Alguns medicamentos à base de Cannabis, como o produzido pela maioria das associações de pacientes, não detalham a concentração de cada canabinoide, ou trazem informação imprecisa.
Para Ricardo Ferreira, é fundamental escolher produtos de CBD isolado e, caso o atleta opte pelo uso do THC também – o que é muito raro – o controle deve ser ainda mais refinado, para evitar chegar às competições – e no exame antidoping – com a concentração acima da permitida pela legislação.
“Está no código tanto da WADA quanto da agência brasileira o veto ao THC. Quando se trata de um atleta de elite, de competição, pode deixar fora até dois anos, pode comprometer a carreira do atleta, existe o risco”, afirma.
“Consta como proibido. A discussão tem que ser lá em cima, de manter a proibição ou não. Como prescritor, não tenho essa autoridade ou autonomia para fazer alguma coisa que não tem desculpa. Se for pego, vai tomar um gancho.”
CBD para controle de dor
A principal vantagem do CBD para atletas é por sua ação anti-inflamatória. Diante uma lesão, como em uma batida ou causada pelo esforço excessivo do músculo, o organismo desperta um processo inflamatório. Quanto maior a inflamação, maior a presença de edemas – inchaço – e dor sentida. Medicamentos anti-inflamatórios funcionam bem pois interrompem esse processo.
Já a Cannabis não. O sistema canabinoide é ativado sob demanda. Diante de uma crise, libera substâncias que organizam o corpo para lidar com ela. Em uma lesão, libera substâncias endocanabinoides que dizem para a as células darem início ao processo inflamatório.
O CBD ajuda a regular esse processo. Não elimina o processo inflamatório, mas evita que seja intensa o bastante para provocar edemas e dores.
CBD na recuperação muscular
Apesar do uso ser liberado até durante as competições, o uso de anti-inflamatórios não é aconselhado aos atletas de alto rendimento. A inflamação não existe à toa, e faz parte do processo natural de recuperação muscular. É quando o músculo se reconstitui após uma atividade, e fique maior e mais forte.
Tomar anti-inflamatório após um treino, além de anular boa parte dos resultados da atividade, não permite que o músculo se regenere. Assim, fica mais suscetível a lesões.
Por não interromper o processo inflamatório, apenas regulá-lo, o CBD une o melhor de dois mundos. Controla edemas e dores excessivas, enquanto permite que o músculo se recupere e fortaleça. Dessa forma, permite que o atleta esteja pronto para praticar atividades de alta intensidade mais cedo, aproveitando todos os benefícios do treino, o que, indiretamente, acaba afetando positivamente seu desempenho.
Outros benefícios do CBD para atletas
Não é só o corpo do atleta que precisa corresponder. A mente é também fator fundamental. Ansiedade diante uma competição importante, ou diante uma tediosa e cansativa rotina de treinamentos, podem afetar diretamente o desempenho e os resultados.
Diversas pesquisas já demonstraram as propriedades do canabidiol no tratamento de ansiedade e depressão, sem o efeito entorpecente do THC.
O CBD também pode auxiliar os atletas com dificuldade de manter o peso, com a regulação do apetite. Assim como ajudar a combater distúrbios de sono. Todos os elementos para que o atleta consiga se focar nos treinos, com saúde, em busca de seu máximo desempenho.
CBD reduz a necessidade de medicamentos alopáticos
De todos os benefícios do CBD, para o médico Ricardo Ferreira, o principal é poder reduzir ou eliminar o uso de outros medicamentos com o CBD. Não só os anti-inflamatórios, como opioides e corticoides.
“O CBC combate inflamação, controla a dor, sem os efeitos colaterais negativos de anti-inflamatórios e opioides a longo prazo. Substitui substâncias mais prejudiciais a médio e longo prazo, como corticoide, anti-inflamatório, opioide, por uma substância que não tem evidência de causar prejuízo a médio e longo prazo.”
“Alguns corticoides e opioides são banidos no período de competição. Anti-inflamatório nunca teve nenhuma restrição”, continuou. “O CBD entra como uma possibilidade de substituição, sem nenhum tipo de restrição. Desde que não tenha THC.”
O que esperar do CBD no esporte?
“Quanto mais tiver segurança farmacológica, com produtos com quantidade mínima de outros canabinoides para CBD, vai aumentar a segurança dos médicos prescreverem e os atletas tomarem” afirmou Ferreira. “Os atletas percebendo esses benefícios, propagando isso para outros atletas, a coisa vai acabar se disseminando.”