Uma família com duas gêmeas autistas de 8 anos na cidade de Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo, conseguiu na Justiça o direito de plantar Cannabis em casa para produzir a medicação das meninas. O Habeas Corpus foi garantido após a mãe, Andreia Rodrigues, entrar com um recurso via Defensoria Pública do Estado de SP.
As crianças, a Isabella e a Isadora, possuem graves deficiências de saúde. Uma delas desenvolveu inclusive paralisia cerebral em razão de um erro médico e sofre de constantes crises convulsivas. Já a outra tem epilepsia de origem não identificada e também é diagnosticada com Transtorno do Espectro Autista.
A Andréia tentou diversos tratamentos médicos. As irmãs foram submetidas a tratamentos neurológico e uso de medicamentos como Risperidona, Depakene, Gardenal, Keppra e Carbamazepina, eentre outros. Todos sem resultar em efeitos significativos.
Após as diversos tentativas medicamentosas infrutíferas, a mãe das gêmeas, por indicação de uma amiga que tem um filho com paralisia cerebral, participou de um curso sobre o uso terapêutico da Cannabis, formas de cultivo e extração segura do óleo. A Andreia, que é evangélica, tinha preconceito com a maconha, mas curiosamente o curso que ela fez foi dentro de uma igreja, a paróquia São Francisco de Assis, curso ministrado pelo falecido Padre Ticão.
“Quando eu entendi que Cannabis era maconha eu disse que jamais iria dar maconha para as minhas filhas. Maconha é droga, é do demônio. Eu fui instruída assim. Mal eu sabia que droga mesmo era o que eu estava dando para elas. Quando eu cheguei no curso, dentro de uma paróquia, vi um padre, aquele monte de gente. Eu fiquei assustada. Mas depois de ouvir os relatos eu comecei a entender”, contou a Andreia ao Cannabis & Saúde.
A família teve dificuldade para conseguir um médico, mas após ter a receita médica em mãos, passaram a ministrar às crianças pequenas doses de canabinol (CBD), doado por pessoas da comunidade do curso. Ela percebeu os efeitos benéficos e eficientes, com significativa diminuição das crises e convulsões.
Produção caseira
Andreia obteve autorização junto à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para importação do óleo. No entanto, em razão do alto custo do medicamento, ficou impossível manter o tratamento. Cada frasco custa cerca de R$ 1 mil, sendo as crianças precisam de 3 frascos por mês, cada. Por isso, ela procurou a Defensoria Pública para entrar com um Habeas Corpus para para produção caseira.
“A paciente se vê na iminência de sofrer uma coação, uma vez que o plantio e uso de Cannabis não está de todo modo regulamentado, conforme prevê a legislação pátria. Apesar de o cultivo e produção caseira de canabinoides configurar medida essencial para a garantia dos direitos fundamentais das filhas da paciente, e que, além disso, a correta interpretação constitucional abre possibilidade para o regular exercício deste direito, a União ainda não cumpriu seu dever legal de regulamentação deste tipo de prática”, salientaram os defensores Erick de Figueiredo Maia e Bruna da Cunha Ferreira na ação em que a família Rodrigues pediu à Justiça um salvo conduto para cultivar a planta.
Na decisão, o Juiz Tiago Ducatti Lino Machado, da 3ª Vara Criminal de Mogi das Cruzes, acolheu os argumentos da Defensoria e concedeu liminar. Ele determinou “às autoridades de Segurança Pública Estaduais, Municipal e Federal e seus subordinados que se abstenham de prender, conduzir ou indiciar a paciente pela conduta de semear, cultivar e fazer a colheita de sementes, plantas ou óleos extraídos de Cannabis, e de apreender tais sementes, plantas e óleos por razões de natureza penal, desde que a paciente se limite a plantar sementes de Cannabis, para plantio exclusivo em seu endereço residencial e, apenas, para fins medicinais das suas filhas”.
O juiz lembrou que a atual Lei de Drogas autoriza, no Artigo 2º, o cultivo de Cannabis para fins curativos: “pode a União autorizar o plantio, a cultura e a colheita dos vegetais referidos no caput deste artigo, exclusivamente para fins medicinais ou científicos, em local e prazo predeterminados, mediante fiscalização, respeitadas as ressalvas supramencionadas”.
“Hoje as minhas filhas têm uma vida saudável, sem aquele monte de remédio. Só usam Cannabis. As pessoas precisam entender que Cannabis salva vidas. Salvou também a vida do meu pai, com Parkinson, que saiu das fraldas. A Cannabis não é coisa do demônio, ela é divina. Hoje eu sou uma ativista da Cannabis”.