Há 25 anos, o neurologista Ethan Russo estuda os usos e benefícios da Cannabis medicinal. “Eu comecei por perceber que não estava ajudando meus pacientes tanto quanto eu deveria. Dava cada vez mais drogas que traziam cada vez menos benefícios”, contou durante a abertura da 3ª edição do Medical Cannabis Summit.
Pesquisador em psicofarmacologia, ele fez história nos anos 90 ao defender o uso da maconha para tratar portadores de HIV, numa época em que ambos os temas eram tabus muito grandes por lá. Hoje, Russo é uma referência no uso dos canabinoides como tratamento para pacientes com câncer.
O poder dos canabinoides
Russo defendeu mais pesquisas com outros canabinoides.“Mais de 150 canabinoides podem ser extraídos da planta. Sabemos a farmacologia de apenas uma dúzia deles. Isso significa que, se estamos prestando atenção apenas ao CBD e THC, há pelo menos outros 10 que estamos ignorando e que estariam disponíveis”, disse.
“O sistema endocanabinoide é extremamente complexo, está presente em tudo e exerce a função de regular todos os aspectos da fisiologia humana. Seja qual for a função nela atuará o sistema endocanabinoide”, complementou. “Não há nenhuma outra planta nesse planeta que seja tão versátil quanto a Cannabis”.
Sistema entourage
Lá em 1998, o renomado pesquisador Raphael Mechoulam, junto com Shimon Ben-Shabat, publicou um artigo confirmando evidências sobre o efeito entourage. De acordo com ele, o sistema endocanabinoide reagia melhor estimulando ainda mais a atividade dos endocanabinoides, quando a Cannabis estava composta de vários elementos, ainda que inativos, e não apenas um.
E ainda hoje há questionamentos sobre as evidências desse efeito. Dr. Russo não tem a menor dúvida quanto a isso:
“Quando sou desafiado com a questão do efeito entourage, eu tenho de responder com outra questão: quantas provas serão necessárias para que as pessoas aceitem o fato de que se trata de um efeito real? Ninguém foi capaz de me responder, mas hoje temos inúmeros exemplos que confirmam esse conceito de sinergia.”
A Cannabis do ponto de vista farmacológico e industrial
No segundo painel da noite, a farmacêutica Luzia Sampaio, do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e o engenheiro agrônomo Lorenzo Rolim, fundador da Associação Latino Americana de Cânhamo Industrial abordaram o tema “A Cannabis do ponto de vista farmacológico e industrial”.
“Do ponto de vista farmacológico, é importante saber a composição dos canabinoides – já vi rótulos com composições erradas em óleos artesanais e industriais. A prática clínica diz muito sobre a titulação da dose que aquele paciente vai usar”, explica Sampaio.
“A medicina canabinoide é muito personificada, cada paciente tem uma resposta. Por isso, o médico precisa alternar a concentração de THC e CBD de acordo com a resposta de cada paciente.”
Rolim lembrou dos cuidados com o cultivo e das possíveis variações que cada planta pode sofrer com o solo. E observou algo curioso na prática: “As plantações de Cannabis atraem uma biodiversidade maior ao redor. Nada ainda comprovado, mas é algo que já notamos”.
Covid-19 e Cannabis medicinal
O psiquiatra Wilson Lessa e a fisioterapeuta Ana Gabriela Baptista abordaram os benefícios do uso de Cannabis medicinal para reduzir riscos de infecção por covid-19. Na mediação, Jaime Ozzi citou um estudo e resumiu os resultados:
“Pouco menos 50% das pessoas que faziam uso de canabinoides tiveram uma incidência menor de infecção por covid”, explanou.
Lessa lembrou que esse estudo ainda não passou por revisão. “É ainda um pré-print ainda não foi revisado por pares, que são cientistas da mesma área que vão analisar a metodologia, então isso é um passo importante. Mas foi um estudo que traz coisas importantes para estudarmos mais a fundo”
Baptista acredita no poder dos canabinoides na redução dos riscos de infecção. “Faz todo sentido, pensando na parte fisiológica e bioquímica do próprio sistema endocanabinoide, que faz a regulação de todo nosso sistema”, explicou. “Dentro da minha experiência com pacientes que usam Cannabis, vejo um equilíbrio maior do organismo. Então faz todo sentido a não infecção ou a infecção leves em pacientes que fazem uso da medicina canabinoide”, concluiu.
O milagre de Rafa
Para fechar a noite de estreia da terceira edição do Medical Cannabis Summit, Lilian Magalhães contou a história da filha Rafaela, vítima de um AVC antes mesmo do parto. Antes de completar um ano de vida, Rafa começou a sofrer várias crises de epilepsia por dia. Magalhães correu atrás da Cannabis medicinal – e as crises convulsivas, que antes passam de 100 diariamente, cessaram.
A garota também foi diagnosticada com autismo durante a infância. E a Cannabis trouxe inúmeros benefícios para o desenvolvimento de Rafa.
Medical Cannabis Summit
A segunda rodada de palestras do Medical Cannabis Summit continua nesta terça-feira, a partir das 18h. Você pode se inscrever gratuitamente por aqui. Participe!