O Tribunal de Justiça de São Paulo autorizou na última sexta-feira (05/02) os associados da ONG Cultive – Associação de Cannabis e Saúde a plantarem maconha e produzirem os remédios extraídos das plantas. Trata-se de um Habeas Corpus coletivo inédito, que protege 21 pacientes de serem presos ou terem suas plantas e equipamentos apreendidos pelas polícias Civil e Militar.
A Cultive foi fundada pelos paulistanos Cidinha e Fabio Carvalho. Eles descobriram em 2013 que a maconha poderia amenizar os sintomas da síndrome de Dravet da filha Clárian, doença que causa crises epiléticas e atraso no desenvolvimento psicomotor. Em 2016, a família conquistou um Habeas Corpus para plantar e produzir a medicação para a menina. Desde então, Cidinha se tornou uma ativista da Cannabis medicinal, com bastante presença em Brasília. Ao longo desses anos, a Cultive promoveu diversos cursos de cultivo para seus pacientes, enquanto lutava na Justiça pelo direito conquistado na última semana.
“Fica a associação autorizada a semear e cultivar a planta apenas e tão somente na quantidade de 224 plantas de Cannabis a cada período de floração, que perdura entre cinco ou seis meses, que representam 448 plantas por ano, e de acordo com os parâmetros estabelecidos na prescrição médica”, decidiu a juíza Adriana Barrea, do Foro Criminal da Barra Funda, na capital.
A magistrada também fixou o prazo de 6 meses para que a associação apresente um relatório médico que contenha a indicação da necessidade de continuar os tratamentos para cada um dos associados. Isso será necessário para a ONG obtenha a renovação do salvo-conduto.
Esta é a terceira associação de pacientes autorizada a cultivar Cannabis para fins medicinais no Brasil. A primeira foi a Abrace, da Paraíba, em 2017. No ano passado, a Apepi, do RJ, também foi autorizada, mas a liminar foi derrubada. Contudo, a decisão da Cultive é inédita por ser na esfera criminal e não cível, como as anteriores.
“É o primeiro caso de ação penal. Tendo em vista que as decisões possibilitam muitos recursos, nós preferimos usar a ação mais óbvia, já que infelizmente a lei criminaliza quem cultiva independentemente da finalidade. A gente precisou usar o direito penal para dizer que isso não é crime. Inclusive o promotor (Ministério Público), num dos motivos contra a ordem foi o de que não seria a ação cabível. E nós respondemos que não será mais a ação cabível quando essa atividade deixar de ser crime!”, explicou ao Cannabis & Saúde o advogado Ricardo Nemer, um dos fundadores da Rede Reforma e que assina o pedido de habeas corpus.
Dignidade está acima da proibição, afirma juíza
“Por meio desta impetração, busca-se a efetivação do princípio da dignidade da pessoa humana, bem como dos direitos à vida e à saúde, os quais devem prevalecer sobre a proibição de se cultivar a planta de onde se extrai a substância utilizada especificamente para o tratamento dos pacientes, em um contexto de necessidade, adequação e proporcionalidade”, escreveu a juíza na sentença.
“A legislação que garante e regula o direito à saúde deve sempre se manter atenta para acompanhar os avanços da ciência e da medicina, atualizando-se e facilitando que o cidadão possa usufruir, na integralidade, do seu direito à saúde”, argumentou Adriana Barrea.
Polícias Civil e Militar se manifestaram contra autorização
No processo, a Polícia Civil de SP destacou a “dificuldade em delimitar parâmetros para autorização”, bem como sobre a fiscalização do cultivo, “ainda mais no caso dos autos, com diversas pessoas envolvidas”.
“Depois de plantadas as primeiras sementes, nada impede que as plantas se desenvolvam e se multipliquem, tomando a plantação proporções muito maiores àquela prevista”, destacou a PC.
A autoridade defendeu “não ser possível desprezar eventuais desvios dolosos, culposos, ou até mesmo não intencionais, como em hipótese de furto ou roubo das substâncias por terceiros”
Já a Polícia Militar, assim como o Ministério Públic, argumentou que a via do habeas corpus “exige prova constituída e do abuso de poder reclamado, o que não se percebe no caso”, o que, para a PM, “acarreta em inadequação da via eleita”.