A professora da UnB Dra. Andrea Gallassi é uma das maiores referências em pesquisa com dependência no Brasil. Ela é doutora pela Faculdade de Medicina da USP e pós-doutora pelo Centro de Dependência Química e Saúde Mental da Universidade de Toronto, no Canadá. A cientista estava à frente de uma pesquisa inovadora sobre o uso do canabidiol, derivado da maconha, no controle da dependência química. Porém, relata que seu estudo não recebeu parecer favorável do Ministério da Saúde para realizar a fase II, que ampliaria o número de participantes da fase I.
A primeira fase foi financiada pela Fundação de Apoio à Pesquisa do Distrito Federal (FAPDF). Entre os resultados iniciais do estudo, estavam o de que o CBD se mostrou uma terapia promissora no tratamento da dependência de cocaína e promoveu a redução na auto administração da droga.
Segundo a pesquisadora, a fase II do estudo com dependentes de crack tratados com CBD deveria iniciar no segundo semestre deste ano, depois que o grupo dela concluiu a fase pré-clínica, com a publicação do artigo científico “Avaliação do uso potencial de canabidiol no tratamento do transtorno por uso de cocaína: uma revisão sistemática”.
A cientista salienta que o estudo foi autorizado pelo CNPq e todas as exigências da Anvisa foram cumpridas: “tínhamos nova autorização para importar canabidiol, além da já obtida para a fase I, autorização de guarda da substância e para realizar o estudo”. Os recursos viriam através de uma emenda parlamentar da deputada federal Erika Lokay (PT-DF). Mas por se tratar de verba federal, seria necessária autorização do Ministério da Saúde.
É aí que começa o processo que Andrea classifica como “mais angustiante, sofrido e odioso que vivi ao longo da minha trajetória profissional”.
“Foram ao todo 12 diligências emitidas pela área técnica do MS, incomum para projetos de emenda parlamentar. E a cada resposta minha para cada diligência, semanas se passavam até que viesse a resposta, com nova diligência emitida e com questionamentos que não se referiam à resposta que eu havia dado. A cada nova diligência que chegava, se desenhava claramente o objetivo daquilo tudo: fatiar “dúvidas” sobre o projeto e demorar para apreciar minhas repostas era o modo mais legítimo para, deliberadamente, não aprovar um estudo que conflita com a orientação ideológica deste governo”.
Entre os argumentos utilizados pelo Ministério da Saúde para reprovar a pesquisa foram de que um estudante de fisioterapia faria as análises toxicológicas. Contudo, inexiste essa atribuição para o estudante, esclarece Andrea. E também o de que a pesquisa seria apresentada em um congresso que já havia acontecido, sendo que o evento referido no projeto foi onde a fase I havia sido apresentada. Para Andrea Gallassi, os argumentos não fazem sentido e demonstram má-fé.
O portal Cannabis & Saúde solicitou ao MS uma posição sobre a negativa da pesquisa, mas não obteve retorno até agora. O fato é que o governo federal, desde 2019, tem feito campanha contra a promoção da Cannabis medicinal. O Ministério da Justiça chegou a enviar uma moção de repúdio ao PL 399, projeto que legaliza o plantio de Cannabis para fins medicinais e industriais no Brasil. Já o Ministério dos Direitos Humanos publicou a chamada Cartilha da Maconha, um documento repleto de informações falsas e distorcidas.
No dia 28 de dezembro, sem surpresas por parte da pesquisadora, veio a reprovação do Ministério.
“Ou seja, o recurso destinado por uma parlamentar não irá financiar coisa alguma. Não haverá projeto, ele simplesmente se perdeu”, lamentou a cientista.
“A pesquisa dela é a pesquisa mais importante sobre Cannabis no brasil, porque traz o uso medicinal, mas específico no tratamento de dependentes em crack. É um ataque nos alicerces da proibição no Brasil. Hoje ainda ecoa nas massas que a pessoa começa no baseado e depois vai pro crack e morre. Então essa pesquisa mostra a Cannabis como porta de saída”, destacou o advogado da cientista, André Feiges, que também é integrante da Rede Reforma.
O advogado informou ao Cannabis & Saúde que está em buscas de soluções jurídicas para garantir a sequência da pesquisa.