Pesquisa exclusiva do Portal Cannabis & Saúde entrevistou 81 deputados e senadores, entre maio e setembro, sobre o cultivo da planta para produção medicinal em solo brasileiro
Em maio desse ano demos início ao projeto “A Cannabis no Congresso”. A ideia era ouvir parlamentares – de todos os partidos e ideologias políticas – para entender o que pensam e como votam quando o assunto é a regulamentação do cultivo da Cannabis para fins medicinais e terapêuticos em solo brasileiro. Neste projeto não buscamos entrevistar nomes e legendas específicas. A enquete era destinada a todo e qualquer parlamentar que estivesse disposto a participar do levantamento e disponível a dar entrevista no Salão Verde da Câmara.
Em cinco meses, conseguimos conversar sobre o tema “Cannabis para fins médicos” com 75 deputados e 6 senadores. Destes, 61 aceitaram gravar entrevista para se posicionar publicamente sobre a temática, seja a favor ou contra a pauta. Todos os vídeos estão publicados no YouTube do Portal Cannabis & Saúde. Dos 81 parlamentares que participaram da pesquisa, 79% afirmaram ser a favor da regulamentação do cultivo da Cannabis em solo brasileiro para a produção de medicamentos – desde que com restrições e controle. “Ninguém aqui está defendendo a legalização da maconha. Mas o uso medicinal é inquestionável”, defendeu o senador Randolfe Rodrigues (Rede/AP).
Dentre os que afirmaram ser contra a produção de Cannabis para fins médicos no país, apenas cinco deputados se posicionaram contrariamente (confira a tabela abaixo). De maneira oposta, seis parlamentares defenderam abertamente a legalização não só da produção medicinal, assim como a descriminalização da maconha para fins recreativos ou o chamado uso adulto. De acordo com os dados apurados pelo levantamento, a maioria dos representantes do povo já compreende as propriedades medicinais da erva e reconhece a importância de nacionalizar a produção para a geração de emprego, renda, impostos e controle pelo estado.
Diferentemente do que muitos pensam, até os evangélicos já se renderam às evidências científicas quando o assunto é o uso terapêutico da erva. “O uso medicinal já é consenso. O problema é como autorizar o cultivo sem que haja desvio de finalidade. Como vamos saber qual é a quantidade ideal para cultivo? E o que fazer com o excedente”, questiona o Dep. Coronel Chrisóstomo (PL/RO), que faz parte da Bancada Evangélica da Câmara.
O foco inicial do levantamento foi na Câmara dos Deputados, porque é naquela casa onde o tema ‘Cannabis’ mais avança com o PL 399/2015. O texto aprovado, em caráter terminativo, pela Comissão Especial da Câmara – que regulamenta o cultivo para fins medicinais e industriais – deveria ter seguido direto para o Senado. Entretanto, o deputado Diego Garcia (Rep/PR) coletou assinaturas para levar a discussão ao plenário da casa. Apesar de o assunto ter avançado no ano passado, a pauta continua parada desde então, especialmente em ano eleitoral.
É importante esclarecer que a pergunta da pesquisa do Portal Cannabis & Saúde não foi direcionada ao PL 399/2015, de relatoria do deputado Luciano Ducci (PSB/PR), uma vez que maioria dos parlamentares indagados não conhece o teor da proposta. O objetivo da enquete foi fomentar o debate e ouvir a posição de cada deputado e senador sobre a possibilidade de cultivo da Cannabis para produção médica no Brasil, o terceiro maior país agrícola do mundo.
Atualmente, 33 propostas relacionadas à Cannabis tramitam no Congresso Nacional. Algumas preveem a descriminalização da planta como o PL 7270/2014, de autoria do ex-deputado Jean Wyllys (PSOL/RJ) que pressupõe tonar a Cannabis uma “droga lícita”, excluída da lista de substâncias e medicamentos sujeitos a controle especial da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Outras propostas, como o PL 1133/2019, do Pastor Eurico (PATRI/PE), vão no sentido oposto. Essa última, por exemplo, propõe incluir no currículo escolar o tema “conscientização sobre os malefícios da maconha”.
O placar do painel de votação da Cannabis no Congresso é divulgado, às vésperas das eleições, para orientar o eleitorado a escolher um candidato que esteja alinhado às suas convicções sociais e políticas. Nossa ambição era ouvir todos os parlamentares, de norte ao sul do país, para trazer a informação mais exata possível. Entretanto, a campanha eleitoral esvaziou Brasília e poucos políticos se demonstraram confortáveis para falar abertamente de um tema que ainda é visto com preconceito e tabu. Não deixe de conferir as entrevistas e o quadro com o posicionamento político de todos os parlamentares ouvidos pela pesquisa.
Como pensam os evangélicos?
Dep. Coronel Chrisóstomo (PL/RO)
“Nós discutimos dentro do partido, dentro da Frente Parlamentar Evangélica, da qual faço parte. Levamos o assunto inclusive. Como utilizar para a saúde e de que forma, a maior dificuldade foi a abertura. O tipo de utilização e uso de fabricação. Qual é o tamanho da produção para a saúde? Essa abertura excede tanto, o que fazer com o excesso. Para esse tipo (cânhamo/tecido) de produção eu sou favorável a isso. Claro, dentro de um controle da legalidade, para não perder a vontade de fazer o bem para as pessoas. Daqui a pouco um paletó da Cannabis e por que não? Temos que aprofundar o assunto e focar na necessidade de medicamentos e quem sabe a industrialização como um vestido como o que você mostrou. Quem sabe traremos de volta esse Projeto de Lei, desde que haja controle e votaremos favorável”
“Já fumei muita maconha na adolescência e gostava demais. Mas agora sou pastor evangélico e apesar de ser favorável ao uso medicinal da planta, não posso me expor, principalmente em ano de eleição” (o parlamentar pediu para não ser identificado)
O que dizem os que são contra?
Dep. Osmar Terra (MDB/RS)
“Sou totalmente contra. É contra os jovens, é contra a sociedade, destrói as famílias. Não há nada de medicinal na Cannabis, o que pode ter é uma substância. Esse assunto eu conheço. São 480 substâncias e só o canabidiol pode ter algum efeito medicinal e ele pode ser separado e usado como qualquer outra droga. Eu tenho pena das pessoas que usam a Cannabis e acham que estão se tratando” (…) “Conversa fiada (sobre recursos estarem saindo do Brasil para importação de medicamentos), só o que se gasta com os meninos que ficam com esquizofrenia, inutilizados pelo resto da vida. São milhões de jovens inutilizáveis. Eu sou bem-informado. A sua informação é o lobby da indústria. Não converso mais contigo”.
Dep. Sargento Fahur (PSD/PR)
“Eu tenho bastante aversão, uma dificuldade (para regulamentar a maconha). Mas como parlamentar, como ser pessoa humana e inteligente, cada dia eu vou estudando para saber o que de fato está acontecendo. Tenho amigos que falam para dar uma olhada para epilepsia, quero o bem do povo. Não quero que seja usada uma eventual liberação desses produtos como subterfúgio para vagabundo ficar fumando maconha e cometendo crime. Qualquer projeto que eu me deparar como pauta na Câmara dos Deputados que fale se em liberação de plantio e liberação de consumo eu vou estudar bem pra ver se espertalhões e maconheiros não estarão usando como subterfúgio. Vou ficar bem esperto aqui! Eu sou o Sargento Fahur, não sou besta! Não vou deixar maconheiro passar a perna em mim. Com o meu voto, maconheiro não vai fumar maconha, não”
Dep. Diego Garcia (REP/PR)
“É só fazer um pedido (para a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema único de Saúde – CONITEC). Levas as evidências cientificas. Vai ser simples. Eu me comprometo, se a indústria entrar – a partir dessa entrevista – na CONITEC, eu me comprometo a assinar um ofício pedindo agilidade na análise para a incorporação dos medicamentos à base de Cannabis na CONITEC. Eu faço um compromisso público através desse vídeo. Porque não sou contra medicamento. Agora utilizar do bem das pessoas, da boa consciência das pessoas de forma a transformar isso num instrumento para liberar plantio de forma desordenada no nosso país? Para produto de beleza, para produto alimentício, para produto têxtil? Eu não vou aceitar e vou me posicionar contra”
O que dizem os que são a favor?
Dep. Kim Kataguiri (União/SP)
“Eu sou um liberal, nas palavras do Milton Friedman, você proibir algo como a maconha é dar o monopólio para o crime. É fazer com que diversas organizações criminosas utilizem o tráfico como fonte de financiamento para cometer verdadeiros crimes contra as pessoas. O tráfico de armas, homicídios, tribunais paralelos, estado paralelo construído pelo crime organizado. Primeiro, para que a gente possa ter pessoas decentes, empresários comuns empreendendo neste setor e um controle sanitário para garantir que não haja nada além do que o consumidor quer comprar. E também porque eu considero uma grande hipocrisia ter hoje o álcool liberado que causa muito mais acidente nas estradas, violência doméstica e causa muito mais mal à saúde e não ter a maconha – não só a Cannabis medicinais, mas também a maconha para fins recreativos legalizada quando os danos são muito menores tanto para o indivíduo como para a sociedade. Sei que hoje é um posicionamento é impopular, mas estou aqui para defender no que acredito”
Dep. Orlando Silva (PCdoB/SP)
Aqui (Congresso) é ciência ou obscurantismo. Não é um problema moral, não é uma questão de costume. Não falo sobre o uso social O Brasil deveria fazer um debate sério sobre drogas, debate sério sobre a Lei de Drogas, que tem produzido o encarceramento em massa de gente pobre, preta, jovem e da periferia. Esse é um debate inescapável. Mas não estou nem nessa, não estou nem falando do escândalo que virou o encarceramento em massa. Não estou nem falando do uso social de algumas drogas, por que algumas podem e outras não podem? A real é que o álcool produz um dano na vida social e pessoal brutal. Equivalente a outras drogas que não são permitidas de uso social. Não estou nem falando sobre isso. Estou falando de produção de saúde, de aplicação de medicamentos que foram testados comprovados e que são fundamentais. Às vezes o único meio de tratamento. Certos pacientes alcançados pelo espectro autismo que é importante, são muitas possibilidades de uso que infelizmente deixamos para traz por preconceito, negacionismo e negação da ciência. Que a ciência vença que eu tenho certeza que o uso medicinal da cannabis vai para outro patamar”
Dep. Túlio Gadelha (Rede/PE)
“Existe toda uma cadeia criativa em torno da planta que pode ser explorada. Mas existe também o lobby dos medicamentos, que é importante falar sobre isso, é o impede muitas vezes que essas matérias caminhem aqui no plenário da Câmara e nas comissões. Não é apenas uma criminalização de uma planta por uma criminalização. Passa por uma estratégia. Nós temos que estar atentos a isso, combatendo e denunciando. A gente percebe que existe uma bancada que sempre se coloca em oposição à Cannabis. Existem parlamentares que estão treinados para polarizar esse debate, tratar no âmbito da criminalização, onde na verdade é uma discussão sobre saúde pública, é isso é o que torna mais grave a discussão dessa matéria aqui no parlamento”
Confira entrevista completa com o deputado: