No âmbito do Executivo, representado pelo Ministério da Saúde e pela Anvisa, há um silêncio notável em relação ao plantio e à revisão da Resolução de Diretoria Colegiada (RDC) nº 327/2019.
Já no Ministério da Justiça/CONAD, o aguardado reconhecimento de um Grupo de Trabalho (GT) para discutir um decreto sobre o plantio teve seu relatório alterado e “desencaminhado” em relação à proposta original, que havia sido redigida e validada pelos representantes envolvidos.
No Congresso Nacional, persiste o dissenso entre a Câmara dos Deputados e o Senado. Os debates técnicos, sociais e políticos não avançaram em 2024, com a maioria dos parlamentares manifestando-se contrária às medidas de liberalização dos derivados de Cannabis e paralisando as iniciativas legislativas. Por outro lado, no Judiciário, a última instância de garantia de acesso aos tratamentos, houve decisões favoráveis, embora o consenso sobre a questão dentro dos tribunais permaneça limitado.
O processo decisório demonstra diferentes graus de alinhamento interno e características técnicas específicas nos espaços regulatórios. Cada Poder baseia suas decisões em fundamentos distintos. O Executivo mantém-se distante das mobilizações sociais — tanto contrárias quanto favoráveis à regulamentação.
A Anvisa, por sua vez, apoia-se em estudos científicos nacionais e internacionais, que, segundo a agência, não atendem aos critérios regulatórios de segurança, eficácia e qualidade exigidos para aprovação da Cannabis como medicamento. Enquanto isso, o acesso aos produtos derivados segue sendo garantido por meio de uma autorização sanitária, categoria técnica transitória estabelecida na RDC nº 327/2019, que está em processo de revisão desde dezembro de 2023 e teve sua consulta pública adiada para 2025.
No Congresso, predominam posições conservadoras, influenciadas por ideologias e pressões de grupos religiosos e partidos políticos. Já no Judiciário, as decisões tendem a ser mais liberais, guiadas pela legalidade e pelos apelos de famílias e associações de pacientes, embora distantes das mobilizações sociais.
Essa indefinição sobre o uso medicinal da Cannabis reflete uma paralisia relativa do Estado e uma profunda divergência entre os Poderes, que, embora não conflitem diretamente, operam de maneira desalinhada. Há também uma competição discreta entre os membros dessas instituições, que dificulta uma abordagem integrada e eficiente.
Apesar desse cenário, algumas decisões relevantes marcaram 2024:
- O Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu a legalidade do plantio de Cannabis para fins medicinais no Brasil e determinou que a Anvisa proceda à regulamentação em seis meses. Contudo, a Advocacia-Geral da União (AGU) já solicitou a extensão desse prazo, considerando-o inexequível.
- O relatório final do GT instituído pelo CONAD, que propunha um decreto presidencial para regulamentar o plantio de Cannabis, foi desconsiderado, e o país segue sem definição sobre qual autoridade — o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) ou a Anvisa — deverá conduzir o tema.
- A Diretoria Colegiada da Anvisa adiou a consulta pública sobre a revisão da RDC nº 327/2019, prevista para 15 de dezembro de 2024, deixando o assunto para 2025.
Por fim, a quem mais importa a qualidade e preservação da vida? Ao cidadão, que ainda espera pela garantia constitucional do Direito à Saúde e segue sem providências objetivas do Estado. Este balanço da questão sinaliza para a necessidade uma discussão na abordagem da moralidade como um eixo fundamental para se compreender o comportamento dos atores públicos no processo de tomada de decisão para que se efetive o Direito à Saúde.
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